Estava lembrando hoje da minha infância... pois uma aluna me perguntou porque em meu rosto tem uma cicatriz, respondi a ela que fora meu pai quem fizera, sim, lembro que era época de páscoa, eu tinha comido uns chocolates, uns muitos na verdade... Na hora do jantar, sentei-me e disse que não estava com fome, meu pai insistiu que eu comesse, eu argumentei que estava sem fome...de repente só lembro de minha cabeça estar dentro do prato.. o prato quebrou e meu rosto cortou...lembro do sangue quente escorrendo sobre minha roupa, não entendi o que estava acontecendo, só via o sangue sobre mim..e minha mãe aos prantos tentando cessar o sangue... Não lembro de nenhuma reação de meu pai, nem de me pegar no colo, pedir desculpas, não lembro dele fazer nada.
O sangue demorou a parar, minha mãe me colocou sentada encima da pia da cozinha, abriu a porta debaixo e pegou o pote de café, ela estava desesperada, tremia para abrir o pote, segurou o pó na mão e jogou em meu rosto para o sangue parar... lembro que ela jogou tanto pó que entrava até na minha boca e nariz, sentia gosto de café e sangue..
Sempre pensei que quando sangrasse, morreria... quando me dei conta disso comecei a chorar, e percebendo que o sangue continuava a correr pelo meu rosto, meu desespero aumentava. Minha mãe me segurava meu rosto e me olhava bem dentro dos olhos, como se ela se sentisse culpada pelo que meu pai fizera. O sangue diminuiu... logou parou.
Vocês devem estar se perguntando porque não me levaram ao hospital para dar alguns pontos... meu pai simplesmente sumiu, e naquela época quase ninguém tinha telefone em casa, e nós morávamos bem afastados de outros vizinhos, portanto fiquei com o pó de café no rosto.
A cicatriz permanece...há épocas que ela fica mais aparente, outras ela quase desaparece... Nunca me importei com a cicatriz, contudo a atitude de meu pai sim, isso me machucou, lamento não ter tido um bom pai. Se perguntarem se meu pai era violento, certamente que não, nunca entendi a razão de ele ter me machucado... de ele ter agido assim, o que entendo é que ele nunca foi um pai.
Pouco tempo depois...
....Papai com uma mala de roupa na mão, falou para eu esperar por ele no domingo... Foi a última vez que vi meu pai, aos cinco anos de idade, eu ainda não entendia... criança não tem noção de tempo, passaram-se vários domingos...até que enfim ouvindo conversa de gente grande- porque naquela época, criança ficava fora dos assuntos de adultos - estava embaixo da janela, sentadinha, e ouvi minha mãe falar: Ele me abandonou outra vez! Ouvindo aquilo, entendi, não sei como, mas compreendi que meu pai fora embora. E fiquei feliz...
Muitas pessoas reclamam, se fazem de vítima com as peças que a vida prega, eu aprendi a agradecer até pelas desgraças, meu pai ter nos abandonado foi a melhor atitude que ele pudesse ter.